Local era usado como galinheiro; vítima nunca recebeu salário em 10 anos e não possuía documentos de identidade
Sorocaba (SP) – Um trabalhador rural foi resgatado de condições análogas à escravidão em Itapirapuã Paulista (SP), município da região do Vale do Ribeira. A força-tarefa contou com a participação do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Além da investigação instaurada no MPT, a denúncia também foi remetida aos auditores fiscais do trabalho pela Polícia Civil de Itapirapuã Paulista, que instaurou inquérito civil para apurar a situação. Dois policiais daquela corporação também deram apoio à operação.
O senhor de mais de 50 anos, que trabalhava em uma pequena roça de cultivo de milho e feijão há cerca de dez anos, morava em um paiol feito de madeira, também utilizado como galinheiro. Em todo esse tempo de trabalho, ele foi mantido na informalidade, sem registro em carteira de trabalho, e nunca recebeu qualquer remuneração ou direito a férias. O ruralista trabalhava em troca de comida e moradia.
Dentro do paiol, ele dormia em um colchão velho e sujo, no chão, junto com os equipamentos e maquinários de trabalho, inclusive embalagens de agrotóxicos e produtos químicos. As galinhas transitavam dentro do quarto e sobre a cama do trabalhador. Havia uma criação de porcos ao lado, e para evitar que os animais se alimentassem dos pintinhos, o obreiro tinha que manter as galinhas trancadas dentro do seu quarto, para protegê-las. Por isso, o ambiente estava cheio de fezes de animais, em absoluta falta de higiene. Não eram disponibilizados armários para a guarda de roupas, e elas ficavam espalhadas pelo recinto.
Por se tratar de um paiol feito de madeira, havia um distanciamento entre uma tábua e outra, possibilitando a entrada de frio e chuva no local, além de animais peçonhentos, como cobras e ratos, atraídos pelo feijão e pelo milho produzidos no sítio.
No local não havia banheiro; o trabalhador era obrigado a utilizar a instalação sanitária da casa do seu empregador, o dono da pequena propriedade. Não lhe foram disponibilizados equipamentos de proteção individual ou capacitação para as atividades que realizava na roça; algumas delas ofereciam risco e alto grau de insalubridade, por exemplo, a limpeza de duas fossas sépticas próximas ao paiol. A única vestimenta que foi dada ao trabalhador pelo empregador foi uma bota de borracha.
O trabalhador mostrou-se visivelmente com medo do empregador, alegando que era agredido fisicamente por ele, que o forçava a trabalhar. No passado, durante uma briga entre o a vítima e o irmão do empregador, o proprietário da terra desferiu um golpe com facão no antebraço esquerdo do trabalhador.
“É possível verificar que a situação em questão resulta de uma grave exclusão social pela qual foi submetido o trabalhador resgatado durante anos. Apesar de ter mais de 50 anos de idade, ele não possui sequer um documento de identidade, seja RG ou CPF. A certidão de nascimento é a única prova documental da sua existência como ser humano. A situação mostra uma dura realidade, em que os órgãos de defesa do trabalho decente devem agir com o máximo de rigor e eficiência”, pontou o coordenador regional da CONAETE (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento do Tráfico de Pessoas), Marcus Vinícius Gonçalves.
Os auditores fiscais do trabalho efetuaram o resgate de condições análogas à escravidão, possibilitando que o trabalhador receba o seguro-desemprego. A vítima está sendo assistida para tirar seus documentos e, assim, conseguir o recebimento do benefício. A caracterização se deu pelas condições degradantes de trabalho, pela jornada exaustiva e pelo trabalho forçado. O empregador afirmou não possuir condições financeiras para indenizar o resgatado. O MPT deve ingressar com ação civil pública para pleitear judicialmente esses direitos.
De forma provisória, o trabalhador foi removido para a casa de sua progenitora, que também fica na cidade de Itapirapuã Paulista. O procurador Edson Beas Rodrigues Junior, do MPT em Sorocaba, que conduzirá o caso, oficiou a Secretaria de Assistência Social do município para fazer o acompanhamento social da vítima. O MPT também fará o acompanhamento do inquérito da Polícia Civil.